sábado, 26 de junho de 2010

De como Tiago, chamado irmão do Senhor, sofreu o martírio - Parte 2

Boa leitura!

16.Subiram pois e lançaram abaixo o Justo. E diziam uns aos outros: "Apedrejemos a Tiago o Justo!" E começaram a apedrejá-lo, porque ao cair não chegou a morrer. Mas ele, virando-se, ajoelhou-se e disse: "Eu te peço Senhor, Deus Pai: Perdoa-os, porque não sabem o que fazem.
17.E quando estavam assim apedrejando-o, um sacerdote, um dos filhos de Recab, filho dos Recabim, dos quais o profeta Jeremias havia dado testemunho165, gritava dizendo: Parai, que estais fazendo? O Justo roga por vós!
18. E um deles, tecelão, agarrou o bastão com que batia os panos e deu com este na cabeça do Justo, e assim foi que sofreu o martírio. Enterraram-no naquele lugar, junto ao templo, e ainda se conserva sua coluna naquele lugar ao lado do templo. Tiago era já um testemunho veraz para judeus e para gregos de que Jesus é o Cristo. E em seguida Vespasiano os sitiou166."
19.Isto é o que Hegesipo relata minuciosamente, concordando ao menos com Clemente. Tiago era um homem tão admirável e tanto havia-se espalhado entre todos a fama de sua rectidão, que até os judeus sensatos pensavam que esta era a causa do assédio de Jerusalém, iniciado imediatamente depois de seu martírio, e que por nenhum outro motivo estavam eles sofrendo-o senão pelo crime sacrílego cometido contra ele.
20. Na verdade, pelo menos Josefo não vacilou em atestar também isto por escrito com estas palavras: "Isto sucedeu aos judeus como vingança por Tiago o Justo, irmão de Jesus, o chamado Cristo, porque exatamente os judeus o mataram, ainda que fosse um homem justíssimo167."
21. O mesmo autor descreve também a morte de Tiago no livro XX de suas Antiguidades com estas palavras: "Sabendo César da morte de Festo, enviou a Albino como governador da Judeia. Mas Ananos o Jovem, sobre quem já dissemos que havia recebido o sumo sacerdócio, tinha um carácter especialmente resoluto e atrevido e formava parte da seita dos Saduceus, que nos juízos eram justamente os mais cruéis entre os judeus, como já demonstramos.
22.Ananos sendo pois assim, considerando oportuna a ocasião por haver morrido Festo e achar-se Albinus ainda a caminho, convocou a assembleia de juízes, e fazendo conduzir perante ela o irmão de Jesus, chamado Cristo - chamava-se Tiago - e alguns mais para acusá-los de violar a lei, entregou-os para que fossem apedrejados.
23.Mas todos os cidadãos considerados os mais sensatos e mais fiéis observadores da lei levaram a mal esta sentença e enviaram uma delegação secreta ao rei168 para pedir-lhe que escrevesse a Ananos para que não levasse a cabo tal coisa, porque já desde o começo não agia com rectidão. Alguns deles inclusive saíram ao encontro de Albinus, que viajava desde Alexandria, para informá-lo de que sem seu parecer não era permitido a Ananos convocar a assembleia.
24. Persuadido Albinus com o que lhe disseram, escreveu irritado a Ananos, ameaçando-o de pedir lhe contas. E o rei Agripa destituiu-o por este motivo do sumo sacerdócio, que exercia há três meses, e instituiu a Jesus, o filho de Dameo." Esta é a história de Tiago, do qual se diz que é a primeira carta das chamadas católicas.
25. Mas deve-se saber que não é considerada autêntica. Dos antigos não são muitos os que a mencionam, assim como a chamada de Judas, que é também uma das sete chamadas católicas. Ainda assim, sabemos que também estas, junto com as restantes, são utilizadas publicamente na maioria das igrejas.

165 Jr 35:2-19.
166 Vespasiano começou a guerra contra os judeus em 67, mas Jerusalém foi sitiada por seu filho Tito em 70.
167 Desconhece-se este trecho nos manuscritos de Flavio Josefo, como Eusébio, contrário a seu costume, não cita
obra nem livro, pode tê-la recolhido de outro autor, como Orígenes.
168 Agripa II (50-100).

De como Tiago, chamado irmão do Senhor, sofreu o martírio - Parte 1

Boa Leitura!

1.Ao apelar Paulo ao César e ser enviado por Festo à cidade de Roma156, os judeus, frustrada a esperança que os induziu a conspirar contra ele157, voltaram-se contra Tiago, o irmão do Senhor, a quem os apóstolos tinham confiado o trono episcopal de Jerusalém. O que segue é o que ousaram fazer também contra ele.
2.Trouxeram-no, e diante de todo o povo pediram-lhe que renegasse a fé de Cristo. Mas quando ele, contra a vontade de todos, com voz livre e falando mais abertamente do que esperavam, diante de toda a multidão pôs-se a confessar que nosso Salvador e Senhor Jesus era filho de Deus, já não foram capazes de suportar mais o testemunho deste homem, justamente porque era considerado o mais justo de todos pelo grau de sabedoria e piedade a que havia chegado em sua vida, e mataram-no, aproveitando oportunamente a falta de governo, pois tendo Festo morrido na Judéia neste tempo, a administração do país ficou sem chefe e sem controle158.
3.O modo como ocorreu a morte de Tiago já foi esclarecido pelas palavras citadas de Clemente159, que conta como o lançaram do pináculo do templo e espancaram-no até mata-lo. Mas quem conta com maior exactidão o que a ele se refere é Hegesipo, que pertence à primeira geração sucessora dos apóstolos160 e que no livro V de suas Memórias diz assim:
4."Sucessor161 na direcção da Igreja é, junto com os apóstolos, Tiago, o irmão do Senhor. Todos dão-lhe o sobrenome de "Justo", desde os tempos do Senhor até os nossos, pois eram muitos os que se chamavam Tiago.
5.Mas somente este foi santo desde o ventre de sua mãe. Não bebeu vinho nem bebida fermentada, não comeu carne; sobre sua cabeça não passou tesoura nem navalha e tampouco ungiu-se com azeite nem usou do banho.
6.Somente a ele era permitido entrar no santuário, pois não vestia lã, mas linho. E somente ele penetrava no templo, e ali se encontrava ajoelhado e pedindo perdão por seu povo, tanto que seus joelhos ficaram calejados como os de um camelo, por estar sempre de joelhos adorando a Deus e pedindo perdão para o povo.
7.Por sua eminente rectidão era chamado "o Justo" e "Oblías", que em grego quer dizer protecção do povo e justiça, como declaram os profetas acerca dele.
8.Assim pois, alguns das sete seitas que há no povo e que eu descrevi anteriormente (nas Memórias) tentavam informar-se com ele quem era porta de Jesus, e ele respondia que este era o Salvador.
9.Alguns creram que Jesus era o Cristo. Mas as seitas mencionadas anteriormente não creram nem na ressurreição nem em que venha a dar a cada um segundo suas obras162. Mas os que creram, creram por Tiago.
10.Sendo pois, muitos os que creram, inclusive entre as autoridades163, os judeus, escribas e fariseus se alvoroçaram dizendo: todo o povo corre perigo ao esperar o Cristo em Jesus. Reuniram-se pois ante Tiago e disseram: Nós te pedimos: retém ao povo, que está em erro a respeito de Jesus, como se ele fosse o Cristo. Pedimos-te que convenças a respeito de Jesus todos os que vierem para o dia da Páscoa, porque a ti todos obedecem. Efectivamente, nós e todo o povo damos testemunho de ti, de que és justo e não te deixas levar pelas pessoas.
11. Tu pois, convence a toda a multidão para que não se engane a respeito do Cristo. Todo o povo e nós mesmos te obedecemos. Ergue-te pois sobre o pináculo do templo para que do alto sejas visível e todo o povo ouça tuas palavras, pois por causa da Páscoa reúnem-se todas as tribos, inclusive com os gentios.
12.E assim os mencionados escribas e fariseus puseram Tiago em pé sobre o pináculo do templo e disseram-lhe aos gritos: "O tu, o justo!, a quem todos devemos obedecer, posto que o povo anda extraviado atrás de Jesus o crucificado, diga-nos quem é a porta de Jesus."
13.E ele respondeu com grande voz: "Por que me perguntam sobre o Filho do homem? Ele também está sentado no céu à direita do grande poder e há de vir sobre as nuvens do céu164."
14.E sendo muitos os que se convenceram completamente e ante o testemunho de Tiago, irromperam em louvores dizendo: "Hossana ao filho de David!". Então os mesmos escribas e fariseus novamente disseram uns aos outros: "Fizemos mal em proporcionar tal testemunho a Jesus, mas subamos e lancêmo-lo para baixo, para que tenham medo e não creiam nele."
15.E puseram-se a gritar dizendo: "Oh! Oh! Também o Justo extraviou-se!" E assim cumpriram a Escritura que se encontra em Isaías: Tiremos de nosso meio o justo, que nos é incómodo. Então comerão o fruto de suas obras.

156 Act 25:11-12; 27:1.
157 Act 23:13-15; 25:3.
158 Verão ou outono de 62, entre a morte de Festo e a chegada de seu sucessor Luceius Albinus.
159 Vide I:V
160 Hegesipo nasceu no ano 110, pode ter conhecido alguns membros da comunidade primitiva, ainda que muito
velhos, mas não pode ser de forma alguma "da primeira geração" pós-apostólica.
161 Não fica claro de quem Tiago seria sucessor.
162 Rm 2:6; Sl 62:13 (62:12); Pv 24:12; Mt 16:27; Ap 22:12.
163 Jo 12:42.
164 Mt 26:64; Mc 14:62; Act 7:56.

domingo, 20 de junho de 2010

De como Paulo, enviado preso da Judéia a Roma, fez sua defesa e foi absolvido de toda acusação

Boa Leitura!

1.Como sucessor deste, Nero enviou a Festo. Foi em seu tempo que Paulo sustentou seus direitos e foi enviado preso a Roma145. Com ele estava Aristarco, a quem em algum lugar de suas cartas chama com toda naturalidade de companheiro de cativeiro146. E Lucas, o que pôs por escrito os Atos dos Apóstolos, termina sua narrativa com estes acontecimentos, indicando que Paulo passou em Roma dois anos inteiros em liberdade provisória e que pregou a palavra de Deus sem nenhum obstáculo147.
2.É pois tradição148 que o Apóstolo, depois de haver pronunciado sua defesa, partiu novamente para exercer o ministério da pregação e que, tendo voltado pela segunda vez à mesma cidade, terminou sua vida com o martírio, nos tempos do mesmo imperador. Estando preso, compôs a segunda carta a Timóteo, e se refere de uma só vez a sua primeira defesa e a seu fim iminente.
3.Mas ouçamos melhor seu próprio testemunho: Em minha primeira defesa -diz - ninguém me ajudou, antes, todos me abandonaram (que isto não lhes seja posto em conta). Mas o Senhor me ajudou e me infundiu forças para que por mim a pregação fosse plenamente cumprida e todas as nações a ouvissem, e fui libertado da boca do leão149.
4.Por estas palavras deixa claramente expresso que na primeira ocasião, para que se cumprisse sua pregação, fora livrado da boca do leão, referindo-se com esta expressão, ao que parece, a Nero, por causa de sua crueldade. Por outro lado, em continuação não acrescenta nada como: me livrará da boca do leão, porque em seu espírito já via que sua morte seria iminente.
5.Por isso, às palavras: e fui libertado da boca do leão, acrescenta: O Senhor me livrará de toda obra má e me preservará para seu reino celestial150, indicando assim seu martírio iminente. Isto ele expressa ainda mais claramente um pouco antes, na mesma carta, quando diz: porque estou já sendo oferecido em libação e o tempo de minha partida está próximo151.
6.Pois bem, na segunda carta das que enviou a Timóteo afirma que, no momento em que a escrevia, somente Lucas o acompanha152, enquanto que, quando fez sua primeira defesa, nem sequer este153.
De onde se deduz que Lucas provavelmente concluiu os Actos dos Apóstolos neste tempo, havendo narrado o que sucedeu enquanto esteve com Paulo.
6.Dissemos isto para mostrar que o martírio de Paulo não ocorreu durante sua primeira estada em Roma, descrita por Lucas154.
7.É provável que Nero, ao menos no começo155, estivesse mais propício e que aceitasse mais facilmente a defesa de Paulo em favor de sua doutrina, mas depois que avançou em sua audácia criminosa, atacou os apóstolos tanto quanto aos demais.


145 Act 25:8-12; 27:1-2.
146 Cl 4:10.
147 At 28:30-31.
148 Tradição escrita, pela expressão utilizada.
149 2 Tm 4:16-17.
150 2 Tm 4:18.
151 2 Tm 4:6.
152 2Tm4:11.
153 2 Tm 4:16.
154 Em princípios do século IV, quando Eusébio escrevia esta obra, alguns negavam que Paulo tivesse feito duas viagens a Roma.
155 Entre os anos 54 e 59, tempos de calma e bem-estar, Nero ouvia mais os conselhos moderados de Burro e Séneca do que os de sua mãe Agripina.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Do egípcio, também mencionado pelos Actos dos Apóstolos

Boa Leitura!

1. Em continuação, acrescenta depois de outros detalhes: "Com uma praga pior do que esta foram os judeus prejudicados pelo pseudo-profeta Egípcio. De facto, chegou este ao país como feiticeiro e com ares de profeta. Conseguiu reunir trinta mil iludidos e os conduziu ao deserto até o monte chamado das Oliveiras, de onde lhe seria possível entrar à força em Jerusalém e subjugar a guarnição romana e o povo, utilizando despoticamente as forças que o haviam acompanhado.
2.Mas Félix antecipou-se a seu ataque saindo logo com os soldados romanos, e todo o povo contribuiu com a defesa, de modo que, iniciado o combate, o Egípcio empreendeu a fuga com uns poucos, enquanto a maior parte dos que estavam com ele pereceram ou foram feitos prisioneiros."
3.Isto escreve Josefo no livro II de suas Histórias. Contudo, será bom relacionar o que ele diz sobre o Egípcio com o que é dito nos Actos dos Apóstolos144, na passagem onde o tribuno militar de Jerusalém pergunta a Paulo nos tempos de Félix, quando o populacho judeu se voltara contra ele: Então não és tu o Egípcio que há alguns dias levantou uma sedição e levou ao deserto os quatro mil sicários? Isto sucedeu nos tempos de Félix.

144 Act 21:38.

Do que ocorreu em Jerusalém nos dias de Nero

Boa Leitura!

1.Nos tempos de Nero e sendo Félix procurador da Judeia, os sacerdotes se levantaram uns contra os outros; Josefo o descreve textualmente no livro XX de suas Antiguidades, como segue:
2."Os sumos sacerdotes levantaram disputa contra os sacerdotes e principais personalidades do povo de Jerusalém, e cada um deles criou para si uma tropa de homens dos mais atrevidos e revolucionários e fez-se seu chefe. Quando se enfrentavam insultavam-se uns aos outros e lançavam pedras. Não havia ninguém que o reprimisse, pelo contrário, como numa cidade sem governo, isto acontecia com toda a liberdade.
3.Tamanho descaramento e audácia se apoderou dos sumos sacerdotes, que se atreveram a enviar escravos às eiras para tomar para si os dízimos devidos aos sacerdotes, e chegou-se ao ponto de sacerdotes pobres morrerem na indigência. Assim é como a força dos facciosos prevalecia sobre toda a justiça."
4.Relata também o mesmo escritor que naquele tempo surgiu em Jerusalém certa espécie de ladrões que, segundo diz, em pleno dia e no meio da cidade assassinavam quem quer que os encontrasse.
5.Principalmente nos dias de festas, misturavam-se à multidão levando adagas143 escondidas sob as roupas e com elas apunhalavam seus adversários. Quando estes caíam, os próprio assassinos uniam-se aos que manifestavam sua indignação, e por isso, com tal aparência de honradez, não havia quem os descobrisse.
6.O primeiro que degolaram foi o sumo sacerdote Jonatan, e depois dele, a cada dia foram matando muitos. O medo era mais terrível do que as calamidades, pois todos esperavam a morte a qualquer momento, como numa guerra.

143 Estas adagas eram as sicae, o que deu origem à palavra sicário, aquele que mata com a adaga e a traição.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Calamidades que se abateram sobre os judeus de Jerusalém no dia da Páscoa

Boa Leitura!

1.Cláudio ainda regia o império quando ocorreu que, na festa da Páscoa, produziu-se em Jerusalém uma insurreição e uma confusão tamanhas que apenas dentre os judeus, que se apertavam com toda a força nas saídas do templo, morreram trinta mil, esmagados uns contra os outros, transformando-se a festa em dor para toda a nação e em pranto para cada família. Também isto é expressamente referido por Josefo.
2.Cláudio estabeleceu como rei dos judeus Agripa, filho de Agripa, e enviou Félix como procurador de toda a região da Samaria, da Galiléia e da chamada Peréia. Depois de ter exercido o comando durante treze anos e oito meses, morreu, deixando Nero como sucessor no império.

Obras de Fílon que chegaram até nós

Boa Leitura!

1. Rico em linguagem, de pensamentos amplos, sublime e elevado na contemplação das divinas Escrituras, Fílon fez sobre as palavras sagradas uma exposição variada e multiforme. Primeiro, em ordem concatenada e seguida, expôs detalhadamente as dificuldades do conteúdo do Génesis nos livros que intitulou Alegorias das leis sagradas, depois, em parte distinguindo, suprimindo e fazendo concordar capítulos das escrituras postos num mesmo quadro de referência, nos mesmos a que aplicou o título Problemas e soluções sobre o Génesis e sobre o Êxodo, respectivamente.
2. Tem além destes alguns estudos de certos problemas particularmente trabalhados, como são: dois livros Sobre a agricultura, e outros dois Sobre a embriaguez134 e alguns outros que levam títulos diversos e apropriados, tais como Sobre as coisas que o sóbrio entendimento deseja e abomina135, Sobre a confusão das línguas, Sobre a fuga e a invenção, Sobre o agrupamento para o ensino, Sobre quem é o herdeiro das coisas divinas ou Sobre a divisão em partes iguais e desiguais, e também Sobre as três virtudes que Moisés descreveu junto com outras.
3. Há também a obra Sobre as trocas de nomes e o por quê destas trocas, na qual diz que escreveu também os livros I e II Sobre os testamentos136.
4. Também é sua a obra Sobre a emigração e vida do sábio perfeito segundo a justiça137 ou Sobre as leis não escritas; e também Sobre os gigantes ou De como a divindade não muda, assim como os livros I-V da obra De como, segundo Moisés, é Deus quem envia os sonhos. Estas são as obras que chegaram até nós das que tratam sobre o Génesis.
5. Quanto ao Êxodo, conhecemos dele o seguinte: os livros I-V de Problemas e soluções, as obras Sobre o tabernáculo, Sobre o decálogo e os livros I-IV Sobre as leis que em especial se referem aos capítulos principais do decálogo; Sobre os animais para os sacrifícios e espécies de sacrifícios e Sobre os prémios para os bons, e castigos e maldições para os maus, que estão na lei.
6. Além destas todas, dão-se como suas obras de um só livro, como: Sobre a Providência138, o tratado que compôs Sobre os judeus, O Político e ainda Alexandre ou de como os animais irracionais têm razão, e também De como todo homem mau é escravo139, ao qual se segue outra obra: De como todo homem bom é livre.
7. Depois destas compôs a obra Da vida contemplativa ou Suplicantes, da qual citamos passagens sobre a vida dos varões apostólicos140; e diz-se que são também suas as Interpretações dos nomes hebreus que há na Lei e nos Profetas.
8. Chegou Fílon em Roma nos tempos de Caio, e diz-se que seus escritos sobre a teofobia de Caio, que ele intitulou, com sua ponta de ironia, Sobre as virtudes, foram por ele expostos diante do senado romano reunido, nos tempos de Cláudio, de forma que suas obras foram muito admiradas e consideradas dignas de ser colocadas nas bibliotecas.
9. Por este tempo Paulo realizava sua viagem desde Jerusalém até o Ilírico141, Cláudio expulsava os judeus de Roma e Áquila e Priscila, lançados de Roma com os demais judeus, desembarcavam na Ásia e conviviam com o apóstolo Paulo, que consolidava os fundamentos daquelas igrejas, recém lançados por ele. Quem nos ensina tudo isto é também a sagrada escritura dos Actos142.

134 O segundo livro foi perdido totalmente.
135 Desta obra só se conservaram fragmentos.
136 Isto indica que Eusébio já não conheceu directamente esta obra, que está perdida.
137 São na verdade duas obras: Sobre a emigração e Sobre a vida do sábio perfeito segundo a justiça.
138 Só se conserva completa uma tradução arménia; em grego somente o que foi transmitido por Eusébio.
139 Obra perdida.
140 Vide XVII:7-ss.
141 Rm 15:19.
142 At 18:2, 18-19,23.

sábado, 5 de junho de 2010

O que Fílon conta sobre os ascetas do Egipto (part 2)

Boa Leitura!

13.Depois Fílon continua escrevendo o que segue sobre como compõem para si novos salmos: "De forma que não somente se dedicam à contemplação, mas também compõem cantos e hinos a Deus, em todas as formas de metros e melodias, ainda que marcando-os forçosamente com números bastante graves."
14.Muitas outras coisas sobre o tema são explicadas no mesmo livro, mas pareceu-me necessário enumerar aquelas pelas quais se expõe as características da vida da Igreja.
15.Mas se a alguém parecer que o que dissemos não é próprio unicamente da forma de vida segundo o Evangelho, mas pode aplicar-se também a outros, além dos indicados, que se convença pelas palavras seguintes de Fílon, nas quais, se sua intenção é boa, encontrará um testemunho incontestável sobre este ponto, pois escreve assim:
16."Começam estabelecendo como fundamento da alma a continência, e sobre esta edificam as demais virtudes. Nenhum deles tomaria alimento ou bebida antes do pôr-do-sol, pois entendem que a luz é conveniente para filosofar, enquanto que às necessidades do corpo servem bem as trevas; por isso deixam o dia para aquele mister, e um breve espaço da noite para estas.
17.Alguns inclusive descuidam do alimento durante três dias: neles está mais arraigado o amor pela ciência. Outros de tal maneira se alegram e deleitam no banquete da sabedoria, que tão rica e abundantemente lhes abastece de doutrina, que podem resistir o dobro do tempo e tomar apenas o alimento necessário ao fim de seis dias, por costume." Cremos que estas palavras de Fílon referem-se clara e indiscutivelmente aos nossos.
18.Mas se depois do que foi dito alguém ainda se empenhar em contradizê-lo, afaste-se também este de sua incredulidade e convença-se com provas mais claras, que não podem ser achadas em outra parte senão na religião cristã segundo o Evangelho.
19.Diz efectivamente que, com os homens de que fala convivem também mulheres, a maioria das quais chegam virgens à velhice depois de guardar a castidade, não por necessidade como algumas sacerdotisas dos gregos, mas sim por convicção voluntária, devido ao seu zelo e sede de sabedoria, com a qual se esforçam em viver, sem importar-se em nada com os prazeres do corpo e desejosas de ter não filhos mortais, mas imortais, os quais somente a alma amante de Deus pode gerar de si mesma.
20.Um pouco mais adiante expõe ainda mais claramente o que segue: "Mas eles fazem as interpretações das Sagradas Escrituras por meio de sentidos simbólicos, em alegorias, já que toda a legislação parece a estes homens semelhante a um ser vivo: como corpo têm as expressões convencionadas; como alma, o sentido invisível encerrado nas palavras, sentido que esta seita começou a contemplar como que reflectida no espelho dos homens, a beleza extraordinária dos conceitos."
21.Para que acrescentar a tudo isto suas reuniões num mesmo lugar, o modo de vida que levam separadamente os homens e as mulheres e os exercícios que nós mesmos por costume ainda praticamos, sobretudo os que costumamos realizar na festa da Paixão do Salvador: abstinência, vigílias nocturnas e a aplicação às palavras divinas?
22.Tudo isto nos transmitiu muito exactamente o mencionado autor em sua própria obra, com o mesmo carácter que se pode observar até hoje somente entre nós. Descreve as vigílias completas da grande festa, os exercícios que nela são feitos e os hinos que costumamos dizer, e como, enquanto um vai salmodiando com ritmo e ordenadamente, os demais escutam em silêncio e repetem com ele somente o estribilho dos hinos, e também como nos dias assinalados deitam-se sobre leitos de palha e não tomam do vinho em absoluto - como escreve textualmente -, nem sequer carne, antes têm como única bebida a água e como condimento do pão apenas sal e hissôpo.
23.Além disso, descreve a ordem de precedência daqueles a quem estão confiados os ofícios eclesiásticos públicos, o serviço e as presidências do episcopado, que estão acima de todas. Quem desejar um conhecimento exacto de tudo isto pode consegui-lo na mencionada obra do referido autor.
24.E que Fílon escreveu isto depois de aceitar os primeiros arautos da doutrina evangélica e dos costumes que desde o princípio transmitiram os apóstolos, é evidente para todos133.

133 Eusébio trata Fílon como "um dos nossos", um escritor cristão, no que é seguido por S. Jerônimo, apesar de este
duvidar da autenticidade do texto de Fílon.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

O que Fílon conta sobre os ascetas do Egipto (part 1)

Boa Leitura!

1.Um documento diz que Fílon, nos tempos de Cláudio, chegou a Roma para conversar com Pedro, que então estava pregando aos dali. Isto na verdade pode não ser inverossímil, já que a própria obra de que falo - composta por ele mais tarde, passado muito tempo - contém claramente as regras da Igreja, observadas ainda em nossos dias.
2.Ocorre no entanto que, ao descrever com a maior exactidão possível a vida de nossos ascetas, fica evidente que ele não somente conhecia, mas também aprovava, reverenciava e honrava os valores apostólicos de seu tempo, de origem hebraica ao que parece, e que por isso conservavam ainda a maior parte dos antigos costumes muito à maneira dos judeus.
3.Em primeiro lugar, no livro que intitulou Da vida contemplativa ou Suplicantes, Fílon deixa bem estabelecido que não acrescentaria ao que contasse nada contrário à verdade nem de sua própria criação. Diz que eram chamados terapeutas, e as mulheres que estavam com eles terapeutisas, e comenta as razões de tais nomes: ou porque como médicos livravam aqueles que os cercavam dos sofrimentos causados pela maldade às almas, curando-os e cuidando deles, ou pela limpeza e pureza de seu serviço e culto à divindade.
4.Portanto não é necessário estender-se discutindo se Fílon colocou-lhes ele mesmo este nome, escrevendo o nome que correspondia à índole desses homens, ou se na verdade já se chamavam assim aos primeiros quando começaram, já que o nome de cristãos ainda não era bem conhecido em qualquer lugar.
5.De qualquer forma, em primeiro lugar atesta seu afastamento das riquezas, afirmando que, quando começam a viver esta filosofia, cedem seus bens aos parentes e assim, livres de toda preocupação pela vida, saem para fora das muralhas para seguir sua vida em campos isolados e em bosques, sabendo que o convívio com pessoas de sentimentos diferentes é nocivo e sem proveito. Naquele tempo, ao que parece, os que agiam assim exercitavam-se em imitar com sua fé entusiástica e ardorosa a vida dos profetas.
6.Com efeito, também nos Actos dos Apóstolos, que são reconhecidos como autênticos, descreve-se que todos os discípulos dos apóstolos vendiam suas posses e riquezas e as repartiam a todos conforme a necessidade de cada um, de forma que entre eles não havia indigentes129. Portanto, segundo diz o livro130, todos os que possuíam campos ou casas os vendiam, e levando o produto da venda, depositavam-no aos pés dos apóstolos, de modo que os repartissem a cada um segundo suas necessidades.
7.Fílon, depois de atestar práticas semelhantes a estas continua dizendo textualmente: "Este tipo de homens se encontra em muitos lugares do mundo, pois é mister que tanto a Grécia como as terras bárbaras participem do bem perfeito. Mas onde abundam é no Egipto, em cada um dos chamados nomos131, e sobretudo em torno de Alexandria.
8. Os melhores de cada região são enviados a um tipo de colónia, como a uma pátria dos terapeutas, um lugar muito adequado, que se encontra às margens do lago Mareia, sobre uma colina baixa, nas melhores condições devido à segurança e à salubridade do ar." Descreve então como eram suas moradias, e sobre as igrejas da região diz o que segue:
9."Em cada casa há uma sala sagrada, que se chama oratório privado e monastério132, na qual se isolam e realizam os mistérios da vida sagrada. Nela não introduzem bebida, nem alimento, nem nada do que é necessário para o corpo, mas leis, oráculos anunciados por meio dos profetas, hinos e tudo aquilo com que o conhecimento e a religião crescem e se aperfeiçoam." E depois de outras coisas, diz:
10."O tempo que vai do alvorecer ao ocaso é empregado inteiramente nesta prática: lêem as Escrituras Sagradas, filosofam e expõe a filosofia pátria empregando a alegoria, já que pensam que a expressão falada é símbolo da natureza oculta, que se manifesta em alegorias.
11.Possuem também escritos de antigos varões que foram os fundadores de sua seita e deixaram numerosos monumentos de sua doutrina em forma de alegorias. Tomam-nos por modelos e imitam sua maneira de pensar e agir."
12.Isto parece ser, portanto, o que disse o homem que os ouviu interpretar as Sagradas Escrituras. E talvez os escritos dos antigos, que ele diz que possuem, sejam possivelmente os Evangelhos, os escritos dos apóstolos e algumas explicações que interpretam, como é natural, os antigos profetas, que são as que contêm a Carta aos Hebreus e outras cartas de Paulo.

129 At 2:45.
130 At 4:34-35.
131 Distritos em que era dividido o Egipto.
132 Fílon não fala de igreja, como diz Eusébio, mas de habitação sagrada, com o duplo nome de oratório privado e monastério (lugar para uma só pessoa).