domingo, 21 de agosto de 2011

Notáveis Concessões

"Vou agora quebrar o jugo que pesava sobre ti, e romper tuas cadeias." Naum 1:13

Philip Schaff - "History of the Christian Church" (continuação)

Boa Leitura!

Dr. Baur, o mestre espiritual da crítica céptica e fundador da "Escola de Tübingen", sentiu-se constrangido, pouco antes de sua morte (1860), a abandonar a visão hipótese e admitir que "nenhuma análise psicológica ou dialéctica pode explorar o mistério interior do acto em que Deus revelou seu Filho em Paulo (keine, Weder Psychologische noch dialektische Analisar kann das innere Geheimniss des Actes erforschen, em welchem seinen Gott Sohn em ihm enthülte). No mesmo contexto, ele diz que na "transformação súbita de Paulo de adversário mais violento do cristianismo em seu arauto mais determinado", ele podia ver "nada menos que um milagre (Wunder)", e acrescenta que "este milagre aparece tanto maior quanto nos lembramos do que nesta repulsa da sua consciência, ele quebrou as barreiras do judaísmo e levantou-se fora de seu particularismo no universalismo do cristianismo."396 Esta confissão tardia, é franca e meritória para a cabeça e coração da crítica Tübingen, mas é fatal para sua teoria anti-sobrenatural de toda a história. Si falsus no uno, falsus in omnibus. Se admitirmos o milagre em um caso, a porta fica aberta para todos os outros milagres que se apoiam em evidências igualmente fortes.

O falecido Dr. Keim, um aluno independente de Baur, admite, pelo menos, as manifestações espirituais de Cristo ascendido ao céu, e insta a favor da realidade objectiva do Cristofanias conforme relatado por Paulo, 1 Coríntios. 15:03 sqq. "Todo o carácter de Paulo, a sua compreensão nítida, que não foi enfraquecida pelo seu entusiasmo, o cuidado, a cautela, medida, a forma simples das suas sentenças, acima de tudo a impressão favorável de toda a sua narrativa e o seu eco poderoso unânime, não desmentiu a fé da cristandade primitiva."397

Dr. Schenkel, de Heidelberg, em seu último estágio de desenvolvimento, diz que Paulo, com plena justiça, pôs a Cristofania em pé de igualdade com as Cristofanias dos apóstolos mais velhos, que todos estas Cristofanias não são simplesmente o resultado de processos psicológicos, mas "continuam a ser em muitos aspectos, psicologicamente inconcebíveis", e apontam de volta para o fundo histórico da pessoa de Jesus, que Paulo não era um alucionado comum, mas cuidadosamente distinguiu a Cristofania em Damasco de suas visões mais tardias, que ele manteve a posse plena do seu mente racional, mesmo nos momentos de maior exaltação, que sua conversão não foi o efeito súbito de uma excitação nervosa, mas provocada pela influência da Providência divina, que calmamente preparou sua alma para a recepção de Cristo, e que a aparição de Cristo vouchsafed para ele foi "não um sonho, mas a realidade."398

Professor Reuss, de Estrasburgo, também um crítico independente da escola liberal, chega à mesma conclusão que Baur, que a conversão de Paulo, se não foi um milagre absoluto, é, pelo menos, um problema sem solução psicológica. Ele diz: "La conversion de Paul, après tout ce qui en a été dit de notre temps, reste toujours, si ce n’est un miracle absolu, dans le sens traditionnel de ce mot (c’est-à-dire un événement qui arrête ou change violemment le cours naturel des choses, un effet sans autre cause que l’intervention arbitraire et immédiate de Dieu), du moins un problème psychologique aujourd’hui insoluble. L’explication dite naturelle, qu’elle fasse intervenir un orage on qu’elle se retranche dans le domaine des hallucinations ... ne nous donne pas la clef de cette crise elle-même, qui a décidé la métamorphose du pharisien en chrétien."399

Canon Farrar diz (I. 195): "Um facto permanece sobre qualquer hipótese e que é, que a conversão de São Paulo foi no sentido mais elevado da palavra, um milagre, e um dos quais as espirituais consequências afectaram todas as idades subsequentes da história da humanidade."


sábado, 20 de agosto de 2011

Em que termos Apolônio refutou aos catafrigas e quem ele menciona

História Eclesiástica - Eusébio Cesaréia (continuação)

Boa Leitura!

1.Como a heresia chamada catafriga ainda estivesse florescendo por aqueles tempos na Frígia, também Apolónio, escritor eclesiástico, empreendeu o trabalho de uma refutação. Compôs contra eles um escrito próprio, no qual corrige, palavra por palavra, as falsas profecias alegadas por eles e descreve como foi a vida dos líderes da heresia. Mas escuta isto que diz sobre Montano, literalmente:
2."Mas suas obras e seus ensinamentos mostram quem é este novo mestre. Este é o que ensinou o rompimento de matrimônios374, o que impôs leis de jejuns, o que deu o nome de Jerusalém a Pepuza e a Timio (cidades insignificantes da Frígia), porque queria reunir ali gente de todas as partes, o que estabeleceu arrecadadores de dinheiro, o que inventava a aceitação de donativos sob o nome de oferendas, o que assalariava os arautos de sua doutrina375, com a finalidade de que o ensinamento de sua doutrina se afirmasse por meio da glutonaria."
3. Isto sobre Montano. Mas um pouco mais abaixo escreve também sobre suas profetisas como segue: "Demonstramos portanto que estas primeiras profetisas em pessoa são as que, desde o momento em que ficaram cheias do espírito, abandonaram seus maridos. Como então tratavam de enganar-nos chamando de virgem Priscila?"
4. Ainda segue dizendo: "Não te parece que toda a Escritura proíbe que um profeta receba donativos e dinheiro? Portanto, quando vejo que a profetisa recebeu ouro e prata e vestidos sumptuosos, como posso não rechaçála?"
5. E um pouco mais abaixo, outra vez diz sobre alguns de seus confessores o que segue: "Mais ainda: também Temiso, que envolveu sua avidez com mantos de aceitabilidade e que não suportou as insígnias da confissão376, mas que depôs as correntes em troca de muito dinheiro, quando por tudo isto devia humilhar-se, fez-se de mártir e, compondo uma Carta católica, em imitação ao Apóstolo, atreveu-se a catequizar aos que eram melhores crentes do que ele, a combater com palavras vazias de sentido e a blasfemar contra o Senhor, os apóstolos e a santa Igreja."
6. E sobre outro, também dos que eles estimam como mártires, escreve assim: "E para não falar demais, que nos diga a profetisa o que há de Alexandre, o que a si mesmo chama de mártir, com o qual ela banqueteia e que muitos inclusive adoram. Não é preciso que citemos os latrocínios e demais crimes seus pelos quais foi castigado: estão conservados no opistodomo377.
7. "Quem pois perdoa a quem de seus pecados? Qual dos dois: o profeta ao mártir por seus latrocínios, ou o mártir ao profeta por sua avareza? Porque, tendo dito o Senhor: não possuireis nem ouro nem prata nem duas túnicas378, estes pecaram fazendo tudo ao contrário no que tange à posse destas coisas proibidas. Efectivamente, vamos demonstrar que os chamados entre eles de profetas e mártires não somente caem sobre as posses dos ricos, mas também sobre as dos pobres, dos órfãos e das viúvas.
8.E se estão seguros, que se apresentem aqui e se expliquem sobre estes pontos para que, no caso de serem convencidos, deixem de continuar prevaricando. Efectivamente, há que se examinar os frutos dos profetas,
9."já que por seu fruto se conhece a árvore379. E para que todos que o desejem conheçam a história de Alexandre, foi julgado por Emílio Frontino, pro-cônsul de Éfeso380, não por causa do nome381, mas pelos roubos que ousou cometer, porque já era um delinquente. Logo, juntando mentira a mentira em nome do Senhor, enganou os fiéis do lugar e foi posto em liberdade, e sua própria comunidade de origem não o recebeu, por ser ladrão; os que queiram saber sua história têm o arquivo público da Ásia.
10.O profeta não o conhece, apesar de conviver com ele muitos anos. Nós, desmascarando-o, por ele colocamos em evidência a natureza do profeta. Coisas semelhantes podemos demonstrar de muitos; e se se atrevem, que suportem a prova".
11.E novamente, em outro lugar da obra, acrescenta o que segue, sobre os profetas de que se jactam: "Se porventura negam que seus profetas receberam presentes, que admitam isto: se for provado que os receberam, não são profetas, e nós apresentaremos provas disto aos milhares. É preciso comprovar todos os frutos do profeta. Um profeta, diga-me, tinge os cabelos? Um profeta pinta de negro as sobrancelhas e pestanas? Um profeta é amigo de enfeites? Um profeta joga com tabuleiros e dados? Um profeta empresta dinheiro a juros? Que confessem se é permitido ou não, e eu demonstrarei que entre eles ocorreu."
12.Este mesmo Apolónio refere na mesma obra que, quando escrevia seu livro, haviam transcorrido já quarenta anos desde que Montano empreendeu sua fingida profecia.
13.E diz ainda que, estando Maximila em Pepuza fingindo que profetizava, Zotico - que também foi mencionado pelo escritor anterior - enfrentou-a tentando refutar o espírito que operava nela, mas que foi impedido pelos que pensavam o mesmo que aquela mulher. Menciona também um certo Traseas, um dos mártires de então.
14.Diz ainda, como proveniente de uma tradição, que o Salvador ordenou a seus discípulos que não se afastassem de Jerusalém em doze anos; utiliza também testemunhos tirados do Apocalipse de João e refere que o mesmo João ressuscitou um morto com o poder divino em Éfeso; e ainda diz outras coisas mediante as quais corrigiu acertada e completamente o erro da citada heresia. Isto disse Apolónio.

375 1 Co 9:14.
376 Ou seja, do martírio.
377 No templo grego era a câmara mais interna, tem aqui o sentido de arquivo.
378 Mt 10:9-10.
379 Mt 7:16; 12:33.
380 Desconhecido.
381 O nome de Cristo.

domingo, 14 de agosto de 2011

Explicações falsas - (Da conversão de S. Paulo)

"O Senhor mesmo marchará diante de ti, e estará contigo, e não te deixará nem te abandonará. Nada temas, e não te amedrontes." Deuterónimo 31:8

Philip Schaff - "History of the Christian Church" (continuação)

Boa Leitura!

Várias tentativas têm sido feitas por hereges antigos e modernos racionalistas para explicar a conversão de Paulo de uma maneira puramente natural, mas eles falharam completamente, e por seu fracasso eles indirectamente confirmam a verdadeira visão como dado pelo próprio apóstolo e como defendida pela Igreja em todas as idades.383

1. A Teoria da Fraude - A facção herética e malignas dos judeus estavam dispostos a atribuir a conversão de Paulo a motivos egoístas, ou à influência de espíritos malignos.

Os ebionitas espalharam a mentira de que Paulo tinha pais pagãos, que apaixonou-se pela filha do sumo sacerdote em Jerusalém, tornou-se um prosélito e submetido à circuncisão a fim de assegurá-la, mas falhou o seu propósito, e por isso vingou-se e atacou a circuncisão, o sábado, e toda a Lei Mosaica.384

Nas Homilias pseudo-Clementinas, que representam uma forma especulativa da heresia judaizante, Paulo é assaltada sob o disfarce de Simão o Mago, o herético, que lutou pelo paganismo antinomiano pagã na igreja. A manifestação de Cristo ou era uma manifestação de sua ira, ou uma deliberada mentira.385

2. A Teoria Racionalista do Trovão e Luz - Atribui a conversão a causas físicas, ou seja, uma violenta tempestade e o delírio derivado de uma febre ardente síria, no qual Paulo supersticiosamente confundiu a trovoada como a voz de Deus e os raios numa visão celestial. 386 Mas o registo não diz nada sobre uma tempestade ou febre, e ambos combinados não poderiam produzir tal efeito sobre qualquer homem sensato, muito menos sobre a história do mundo. Quem nunca ouviu o trovão falar em hebraico ou articular outra língua? E não tinham olhos, ouvidos e o senso comum Paulo e Lucas, assim como nós, para distinguir um fenómeno normal da natureza a e uma visão sobrenatural?

3. A hipótese da disfarçada visão resolve a conversão num processo natural e psicológico e numa honesta auto-ilusão. É a teoria favorita dos racionalistas modernos, que desprezam todas as outras explicações, e professam o maior respeito pela pureza intelectual e moral e grandeza de Paulo.387 É certamente mais racional e meritório do que a segunda hipótese, porque atribui a grande mudança não a fenómenos externos e acidentais, que passarão, mas a causas internas. Ele assume que uma fermentação intelectual e moral estava acontecendo há algum tempo na mente de Paulo, e resultou, finalmente, por necessidade lógica, em uma completa mudança de convicção e de conduta, sem qualquer influência sobrenatural, a própria possibilidade de que é negado como sendo incompatível com a continuidade do desenvolvimento natural. O milagre, neste caso, era simplesmente o reflexo mítico e simbólico da presença dominante de Jesus nos pensamentos do apóstolo.

Que Paulo teve uma visão, ele mesmo diz, mas ele quis dizer, é claro, real aparência, objectiva, presença pessoal de Cristo do céu, que era visível para os olhos e audível para os ouvidos, e, ao mesmo tempo uma revelação para a seu mente por meio dos sentidos.388 A manifestação espiritual interior389 foi mais importante do que a exterior, mas ambas combinadas produziram a sua convicção. A visão de teoria transforma a aparência de Cristo em uma imaginação puramente subjectiva, que o apóstolo confundiu com um facto objectivo.390

É incrível que um homem de mente sã, clara e afiada como a de Paulo, como sem dúvida foi, fez tal asneira radical e de longo alcance, como confundir as reflexões subjectivas com uma aparência objectiva de Jesus que ele perseguia, e atribuir unicamente a um acto de misericórdia divina o que ele soube como resultado de seus próprios pensamentos, se ele pensou em tudo.

Os defensores desta teoria põe as aparições do Senhor ressuscitado aos discípulos mais velhos, e depois as posteriores visões de Pedro, Filipe e João no Apocalipse, na mesma categoria de ilusões subjectivas na maré alta da excitação nervosa e entusiasmo religioso. É plausível manter que Paulo fosse um entusiasta, afeiçoado a visões e revelações, 391 e que justifica a dúvida sobre o realismo da ressurreição em si, colocando todas as aparições de Cristo ressuscitado no mesmo nível das suas próprias, apesar de vários anos decorrido entre as de Jerusalém e na Galiléia, e a do caminho para Damasco.

Mas este único argumento possível para a visão hipótese, é totalmente insustentável. Quando Paulo diz: "Último de tudo, como até a um filho extemporâneo, Cristo apareceu também a mim", ele traça uma linha clara de distinção entre as aparências pessoais de Cristo e suas visão posterior, e fecha esta com a concedida conversão.392 Uma vez, e apenas uma vez, ele afirma ter visto o Senhor em forma visível e de ter ouvido a sua voz; passado, na verdade, e fora de tempo, mas como verdadeira e realmente como os apóstolos mais velhos. A única diferença é que eles viram o Salvador ressuscitado ainda estando na terra, enquanto ele viu o Salvador glorioso descer do céu, como podemos esperar que ele apareça para todos os homens no último dia. É a grandeza da sua visão que o leva a insistir em sua indignidade pessoal como "o menor dos apóstolos e não digno de ser chamado apóstolo, porque persegui a igreja de Deus". Ele usa o realismo da ressurreição de Cristo como a base para sua discussão maravilhosa da ressurreição futura dos crentes, que perderia toda a sua força, se Cristo não tivesse realmente ressuscitado dos mortos.393

Além disso sua conversão coincidiu com a sua chamada para o apostolado. Se a primeiro foi uma desilusão, esta última também deveria ter sido uma ilusão. Ele enfatiza a sua chamada directa para o apostolado dos gentios pela aparência pessoal de Cristo, sem qualquer intervenção humana, em oposição aos seus adversários judaizantes que tentaram minar sua autoridade.394

A suposição de toda uma preparação interior longa e profunda, tanto intelectual e moral, para uma mudança, não tem qualquer prova, e não pode anular o facto de que Paulo foi, de acordo com sua confissão repetida, naquele tempo perseguindo violentamente o cristianismo nos seus seguidores . A sua conversão pode muito menos ser explicada a partir de causas antecedentes, circunstâncias e motivos pessoais do que qualquer outro discípulo. Enquanto os apóstolos mais velhos foram dedicados amigos de Jesus, Paulo era seu inimigo, convertido no exacto momento a caminho de uma missão de perseguição cruel, e, portanto, num estado de espírito muito improvável para dar à luz a uma visão tão fatal para o seu objectivo presente e seu futuro de missionário. Como poderia um perseguidor fanático do Cristianismo, "respirando ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor", estultificar e contradizer-se por um conceito imaginativo que tendia para a edificação da religião que ele estava perseguindo para destruir! 395

Mas, supondo que (com Renan) que sua mente estava perturbado temporariamente no delírio de excitação febril, ele certamente logo recuperou a saúde e da razão, e teve todas as oportunidades para corrigir seu erro, ele foi íntimo com os assassinos de Jesus, e poderia ter produzido tangíveis provas contra a ressurreição se esta nunca tivesse ocorrido, e após uma longa pausa de reflexão silenciosa, ele foi a Jerusalém, passou quinze dias com Pedro, e poderia aprender com ele e Tiago, o irmão de Cristo, as suas experiência, e compará-las com a sua própria. Neste caso tudo é contra a teoria mítica e lendária que requer uma mudança de ambiente e o lapso de anos para a formação de fantasias poéticas e ficções.

Finalmente, a vida inteira de trabalho de Paulo, a partir de sua conversão em Damasco até ao seu martírio em Roma, é o melhor argumento possível contra esta hipótese e prova para o realismo de sua conversão, como um acto da graça divina. "Pelos seus frutos conhecereis a árvore." Como poderia uma mudança tão eficaz proceder de um sonho vazio? Pode uma ilusão mudar o curso de história? Ao aderir à seita cristã Paulo sacrificou tudo, e finalmente a sua vida ao serviço de Cristo. Ele nunca vacilou na sua convicção da verdade revelada a ele, e por sua fé nesta revelação que ele tornou-se uma bênção para todas as idades.

A visão hipótese nega a existência de milagres objectivos, mas atribui milagres à imaginação subjectiva, tornando o efeito mais incrível e irrealístico do que a verdade.

Todas as interpretações racionalistas e naturais da conversão de Paulo tornam-se irracionais e antinaturais, a interpretação sobrenatural do próprio Paulo, afinal, é o mais racional e natural.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

De Milcíades e os tratados que compôs

História Eclesiástica - Eusébio Cesaréia (continuação)

Leitura!

1. Na mesma obra369 menciona-se também Milcíades, um escritor que, parece, também escreveu um tratado contra a dita heresia. Depois de citar algumas passagens destes370 continua dizendo: "Isto encontrei em uma obra das que atacam o escrito de Milcíades, nosso irmão, escrito que demonstra não ser necessário que um profeta fale em êxtase, e fiz um resumo."
2. Um pouco mais abaixo na mesma obra estabelece uma lista dos que profetizaram no Novo Testamento; entre eles enumera um tal Amias e a Codrato; diz assim: ".. .mas o falso profeta, no êxtase - ao qual seguem o descaramento e a ousadia -, começa em voluntária ignorância e termina em demência involuntária da alma, como se disse anteriormente.
3.Mas não poderão mostrar um só profeta, nem do Antigo nem do Novo (Testamento) que tenha sido arrebatado pelo espírito desta maneira, nem poderão gloriar-se de Agabo, nem de Judas, nem de Silas, nem das filhas de Felipe, nem de Amias de Filadélfia, nem de Codrato nem de nenhum outro, se há, porque nada tem a ver com eles."
4.E logo, depois de curto espaço, diz o seguinte: "Porque, se é como dizem, que depois de Codrato e de Amias de Filadélfia, o carisma profético passou por sucessão às mulheres do séquito de Montano, que demonstrem quem dentre eles sucedeu aos discípulos de Montano e a suas mulheres, já que o Apóstolo sustenta que é necessário que o carisma profético subsista em toda a Igreja até a parousia final371. Mas não poderão mostrar ninguém, apesar de já ser este o décimo quarto da morte de Maximila."
5. Isto diz ele. No que tange a Milcíades, por ele mesmo mencionado, também deixou-nos outras lembranças de sua aplicação diligente às divinas Escrituras nos tratados que compôs Contra os gregos e Contra os judeus, temas com os quais se debateu separadamente nos dois livros. E mais, fez também uma Apologia dirigida aos príncipes372 do mundo em favor da filosofia por ele professada373.

369 O anónimo antimontanista, cf. 16:2.
370 Dos hereges.
371 Ef 4:11-13; 1 Co 1:4-8; 13:8-10.
372 Provavelmente refere-se a Marco Aurélio e a seu co-augusto Lúcio Vero.
373 Todas suas obras se perderam.

domingo, 7 de agosto de 2011

Conversações Análogas - À de S. Paulo

"Em obediência à verdade, tendes purificado as vossas almas para praticardes um amor fraterno sincero. Amai-vos, pois, uns aos outros, ardentemente e do fundo do coração." I São Pedro 1:22

Philip Schaff - "History of the Christian Church" (continuação)

Boa Leitura!

Deus relaciona-se com os homens de acordo com seu carácter peculiar e condição. Como na visão de Elias no Monte Horeb, Deus aparece agora no vento impetuoso que arranca as árvores, agora no terramoto que rasga as pedras, agora no fogo que consome, agora na voz mansa e delicada. Alguns são subitamente convertidos, lembrando-se do lugar e da hora, outras vão gradualmente e imperceptivelmente mudando em espírito e conduta; outros ainda crescem inconscientemente, na fé cristã a partir do joelho da mãe e da pia baptismal. Quanto mais forte for a vontade mais força é necessária para vencer a resistência, e mais profunda e duradoura é a mudança. De todas as conversões repentinas e radicais, a de Saulo foi a mais brusca e uma das mais radicais. Em vários aspectos ele está completamente sozinho, como o próprio homem e a sua obra. No entanto, existem pálidas analogias na história. Os teólogos que mais simpatizavam com o seu espírito e pelo sistema doutrinário, passaram por uma experiência semelhante, e foi muito ajudada pelo seu exemplo e escritos. Entre estas estão Agostinho, (autores protestantes) são os mais visíveis.

Santo Agostinho, o filho de uma mãe devota e pai pagão, foi desviado para o erro e vício, vagando durante anos através do labirinto de heresia e cepticismo, mas seu coração estava agitado e com saudades da casa atrás de Deus. Finalmente, quando ele atingiu o trigésimo terceiro ano de sua vida (Setembro, 386), a fermentação de sua alma culminou num jardim perto de Milão, longe de sua casa em África, quando o Espírito de Deus, através da combinação de agências de oração incessantes como Mónica, os sermões de Ambrósio, a exemplo de Santo António, o estudo de Cícero e Platão, de Isaías e Paulo, trouxe uma mudança de facto, não tão maravilhosa por não haver nenhuma aparência visível de Cristo, mas tão sincera e duradoura como a do apóstolo. Como ele estava deitado no pó do arrependimento e lutando com Deus em ‘oração de libertação’, de repente ouviu uma voz doce como o do céu, chamando-o novamente e novamente! "Toma e lê, toma e lê" Ele abriu o livro sagrado e leu a exortação de Paulo: ". Lançai sobre o Senhor Jesus Cristo e nada disponhais para a carne, para satisfazer as suas concupiscências" Era uma voz de Deus, ele obedeceu, ele mudou completamente o seu curso de vida, e tornou-se o professor mais importante e mais útil de sua idade.

sábado, 6 de agosto de 2011

O que se menciona sobre Montano e os pseudoprofetas de sua companhia

História Eclesiástica - Eusébio Cesaréia (continuação)

Boa Leitura!


1.Contra a heresia chamada catafriga, o poder defensor da verdade levantou em Hierápolis uma arma potente e invencível: Apolinário, a quem esta obra já mencionou mais acima360, e com ele muitos outros homens doutos daquele tempo, dos quais foi-nos deixado abundante material para historiar.
2.Ao começar pois, um dos mencionados seu escrito contra aqueles, assinala primeiramente que também lutou contra eles com argumentos orais. Escreve no prólogo desta maneira:
3.Faz muito e bem longo tempo, querido Avircio Marcelo, que tu me ordenaste escrever algum tratado contra a heresia dos chamados "de Milcíades", mas até agora de certa maneira sentia-me indeciso, não por dificuldade em poder refutar a mentira e dar testemunho da verdade, mas por temor de que, apesar de minhas precauções, parecesse a alguns que de certo modo acrescento ou junto361 algo novo à doutrina do Novo Testamento, ao qual não pode juntar nem tirar nada quem tenha decidido viver conforme este mesmo Evangelho.
4.Encontrando-me recentemente em Ankira da Galácia e compreendendo que a igreja local estava aturdida por esta, não como dizem, nova profecia, mas mais propriamente, como se demonstrará, pseudo profecia, enquanto nos foi possível e com a ajuda do Senhor, durante vários dias, discutimos intensamente sobre estes mesmos homens e sobre os pontos propostos por eles, tanto que a igreja encheu-se de alegria e ficou robustecida na verdade, enquanto que os contrários eram rechaçados na hora e os inimigos abatidos.
5.Em consequência, os presbíteros do lugar pediram que lhes deixássemos alguma nota do que havia sido dito contra os que se opõe à doutrina da verdade, achando-se também presente nosso copresbítero362 Zotico, o de Otreno, mas nós não o fizemos; em troca, prometemos escrevê-lo aqui, com a ajuda de Deus, e enviá-lo com toda a presteza."
6.Depois de expor no começo isto e em seguida alguma outra coisa, segue adiante e narra a causa da mencionada heresia desta maneira: "Agora bem, sua conduta e sua recente ruptura herética a respeito da Igreja tiveram como causa o que segue.
7."Diz-se que em Misia da Frígia existe uma aldeia chamada Ardaban. Ali foi, dizem, que um recém-convertido à fé chamado Montano, pela primeira vez, em tempos de Grato, pro-cônsul da Ásia, saindo contra o inimigo com a paixão desmedida de sua alma ambiciosa de proeminência, ficou a mercê do espírito e de repente entrou em arrebatamento convulsivo como se possesso e em falso êxtase, e começou a falar e a proferir palavras estranhas, profetizando desde aquele momento contra o costume recebido pela tradição e por sucessão desde a Igreja primitiva.
8.Dentre os que naquela ocasião escutaram estas expressões bastardas, uns, ofendidos com ele como energúmeno, endemoninhado, embebido no espírito do erro e perturbador das multidões, repreendiamno e tentavam impedi-lo de falar, lembrando-se da explicação e advertência do Senhor sobre estar em guarda e alerta com a aparição de falsos profetas363; os outros em troca, como que excitados por um espírito santo e um carisma profético, e não menos inchados de orgulho e esquecidos da explicação do Senhor, fascinados e extraviados pelo espírito insano, sedutor e desencaminhador do povo, provocavam-no para que não permanecesse mais em silêncio.
9.Com certa habilidade, ou melhor, com tais métodos fraudulentos, o diabo maquinou a perdição dos desobedientes e, honrado por eles contra todo merecimento, excitou e inflamou ainda suas mentes adormecidas, já distantes da fé verdadeira, e assim suscitou outras duas mulheres quaisquer364 e encheu-as com seu espírito bastardo, de maneira que também elas começaram a falar delirando, inoportunamente e de modo estranho, como o mencionado antes. O espírito proclamava bem aventurados aos que se alegravam e vangloriavam nele e os enchia com a grandeza de suas promessas; às vezes, no entanto, por motivos aceitáveis e verossímeis, condenava-os publicamente a fim de parecer também ele capaz de argumentar; mas contudo, poucos eram os frígios enganados. O orgulhoso espírito ensinava também a blasfemar contra a Igreja católica inteira que se estende sob o céu, porque o espírito pseudoprofético não tinha conseguido louvor nem entrada nela.
10.Efectivamente, os fiéis da Ásia haviam-se reunido para isto muitas vezes e em muitos lugares da Ásia, e depois de examinar as recentes doutrinas, declararam-nas profanas e as rechaçaram como heresia; desta maneira aqueles foram expulsos da Igreja e separados da comunhão."
11.É a isto que se refere no início; logo continua através de todo o livro a refutação do erro montanista, e no segundo livro diz sobre o fim das pessoas citadas o que segue:
12."Pois bem, posto que nos chamam mata-profetas365 porque não aceitamos seus profetas charlatães (dizem efectivamente que estes são os que o Senhor havia prometido enviar a seu povo366), que ante Deus nos respondam: dos que começam a falar367 a partir de Montano e das Mulheres, há algum, amigos, a quem os judeus tenham perseguido ou alguém que os criminosos tenham assassinado? Nenhum. Nem sequer algum deles foi preso e crucificado por causa do nome? Também não, desde logo. Nem sequer alguma das mulheres foi açoitada nas sinagogas dos judeus e apedrejada?
13.Nem em parte alguma, em absoluto. Por outro lado, diz-se que Montano e Maximila findaram com outro gênero de morte. Efetivamente, é corrente que estes, por influência do espírito perturbador da mente, que movia tanto um quanto a outra, enforcaram-se, ainda que não ao mesmo tempo, e que ao tempo da morte de ambos correu forte boato de que haviam terminado e morrido da como Montano. mesma maneira que Judas o traidor.
14.Como também é rumor insistente que aquele inefável Teodoto, o primeiro intendente368, por assim dizer, de sua pretendida profecia, achando-se um dia como que elevado e alçado aos céus, entrou em êxtase e entregou-se por completo ao espírito do engano, e então, lançado com força, acabou desastrosamente. Ao menos dizem que foi assim.
15.No entanto, querido, não o tendo visto nós mesmos, pensamos que nada sabemos a respeito; porque talvez tenha ocorrido assim, mas talvez não tenham morrido assim nem Montano nem Teodoto nem a citada mulher."
16.Volta a dizer no mesmo livro que os sagrados bispos daquele tempo tentaram refutar o espírito que havia em Maximila, mas que outros o impediram, colaboradores, evidentemente, daquele espírito.
17. Escreve como segue: "E que aquele espírito que opera por meio de Maximila não diga no mesmo livro de Asterio Urbano: 'Perseguem-me como a um lobo longe das ovelhas; eu não sou lobo, sou palavra e espírito e poder', antes é bom que demonstre claramente o poder que há no espírito, que o prove e que por meio do espírito obrigue a confessar aos que naquela ocasião achavam-se presentes para examinar e para dialogar com o espírito que falava, varões probos e bispos: Zotico, da aldeia de Cumana, e Juliano, de Apamea, cujas bocas foram amordaçadas pelos partidários de Temiso, impedindo assim que refutassem o espírito enganador e desencaminhador de povos."
18.Novamente no mesmo livro, quando dizem algumas outras coisas refutando as falsas profecias de Maximila, indica o tempo em que escreveu isto e menciona os vaticínios dela, nos quais predizia que haveria guerras e revoluções; a falsidade de tudo isto ele revela quando escreve:
19."E como não se evidenciou também esta mentira? Porque já são transcorridos mais de treze anos até hoje desde que aquela mulher morreu e no mundo não tem havido guerra, nem parcial nem geral, mas que até para os cristãos a paz tem sido mais permanente, por misericórdia divina."
20.Isto tomamos do livro segundo. Mas também do terceiro citaremos algumas frases breves, pelas quais diz contra os que se jactavam de que entre eles houve mais mártires: "Agora bem, quando os refutamos com todo o dito e vêem-se apurados, tentam refugiar-se nos mártires, dizendo que têm muitos mártires e que isto é uma garantia fidedigna do poder do espírito que eles chamam profético, mas isto, ao que parece, é de tudo o menos verdadeiro.
21. Efectivamente, das outras heresias algumas têm numerosos mártires, e nem por isso vamos aprová-las nem confessar que possuem a verdade. Os primeiros ao menos, os que se chamam Marcionitas por seguir a heresia de Márcion, também eles dizem que têm inúmeros mártires, mas ao próprio Cristo não confessam conforme a verdade." E depois de breve espaço, acrescenta ao dito:
22. "Por isso, sempre que os fiéis da Igreja chamados a dar testemunho da fé conforme a verdade encontram-se com algum dos chamados mártires procedentes da heresia catafriga, afastam-se deles e morrem sem terem se comunicado com eles, porque não querem dar assentimento ao espírito que se vale de Montano e de suas mulheres. Que isto é verdadeiro e que, até em nossos tempos, tem ocorrido em Apamea, às margens do Meandro, evidencia-se nos martírios de Caio e Alexandre de Eumenia e de seus companheiros."

360 Vide IV:XXI; IV:XXVI: 1; IV:XXVII.
361 Gl 3:15.
362 É como os bispos se dirigiam aos presbíteros e às vezes a seus colegas de episcopado.
363 Mt 7:15.
364 Quer dizer, outras vítimas (do diabo), não outras duas mulheres.
365 Mt 23:31.
366 Jo 14:26.
367 Isto é: começaram a "profetizar"

terça-feira, 2 de agosto de 2011

A conversão de Paulo. IV

"Nunca faltarão pobres na terra, e por isso dou-te esta ordem: abre tua mão ao teu irmão necessitado ou pobre que vive em tua terra." Deuteronómio 15:11

Philip Schaff - "History of the Christian Church" (continuação)

Boa Leitura!

Sua experiência pela justificação pela fé, o seu perdão gratuito e aceitação por Cristo eram para ele o mais forte estímulo para a gratidão e consagração. Seu grande pecado de perseguição, como Pedro, foi a negação, mas foi anulada para o seu próprio bem: a lembrança disto manteve-o humilde, guardava contra a tentação, e intensificou o seu zelo e devoção. "Eu sou o menor dos apóstolos", disse ele com humildade sincera: “não sou digno de ser chamado apóstolo, porque persegui a igreja de Deus. Pela graça de Deus sou o que sou, e a graça que foi dada a mim não foi em vão, mas eu trabalhei muito mais do que todos eles;. Todavia não eu, mas a graça de Deus que está comigo."376 Esta confissão contém, em resumo, todo o significado da sua vida e obra.

A ideia da justificação pela graça de Deus em Cristo através da fé viva que faz Cristo e os seus méritos nossos e leva à consagração e santidade, é a ideia central de Paulo, nas epístolas. Sua teologia inteira, doutrina, ética e prática, detém-se como um germe, na sua conversão, mas na verdade foi desenvolvido por um forte conflito com mestres Judaicos que continuavam a confiar na lei para a justiça e salvação, e, portanto, praticamente frustraram as graça de Deus e fizeram da morte de Cristo, desnecessária e inútil.

Embora Paulo tenha rompido radicalmente com o judaísmo opondo-se à noção farisaica da justiça legal, a cada passo e com todas as suas forças, ele estava longe de se opor ao Antigo Testamento ou ao povo judeu. Aqui ele mostra sua grande sabedoria e moderação, e sua superioridade infinita sobre Marcion e outros ultra-reformistas e pseudo-paulinos. Agora, ele interpretou as Escrituras como uma preparação directa para o evangelho, a lei como um professor que leva a Cristo, Abraão como o pai dos fiéis. E quanto aos seus compatriotas segundo a carne, que ele amava mais do que nunca, preencheu com o incrível amor de Cristo, que tinha perdoado ele, "o principal dos pecadores", ele estava pronto para o maior sacrifício possível se, assim, pudesse salvá-los. Sua linguagem surpreendente no nono capítulo de Romanos não é um exagero retórico, mas a expressão genuína da heróica abnegação e dedicação, que animou Moisés no passado, e que culminou no sacrifício do Filho eterno de Deus na cruz do Calvário.377

A conversão de Paulo, foi ao mesmo tempo a sua chamada para o apostolado, de facto não um lugar entre os Doze (a vaga de Judas estava preenchida), mas para o apostolado independente dos Gentios.378 Depois, seguiu uma actividade ininterrupta de mais de um quarto de século, que por interesse permanente e utilidade crescente não tem paralelo nos anais da história, e permite uma prova irrefutável da sinceridade de sua conversão e da verdade do Cristianismo.379